O que é saúde para a psicologia?
Esses dias me encontrava na minha sala aguardando a chegada de um usuário quando peguei sua ficha para recordar um pouco do caso como de costume. Apesar de ser um psicólogo que atua na área de assistência social, realizo entrevistas com alguns usuários do CRAS onde trabalho, pois há sempre encaminhamento de escolas e demais instituições que carecem desse tipo de atendimento mais clínico para que se possa realizar um plano de ação para aquela família e/ ou indivíduo, mesmo que este consista apenas no encaminhamento para uma outra instituição onde ele vá obter atendimento clínico com fins terapêuticos, ou mesmo avaliações psicológicas que são o principal tema dos encaminhamentos escolares.
Me dei conta então que, em se tratando de assistência social o conceito de “saúde” é bem claro, ainda mais quando se fala de um serviço que tem por fim a prevenção da violação dos direitos da família, como CRAS.
O conceito de “saúde” em assistência social, é, pelo menos ao meu ver. ter assegurado os direitos básicos de um cidadão, como direito a renda, direito a moradia, acesso a serviços públicos básicos e etc. Mas, para a psicologia qual seria o conceito de saúde?
No entanto, olhando do ponto de vista da psicologia clínica, uma vez perguntaram a Erikson o que seria saúde em psicanálise, e ele prontamente respondeu invocando Freud: “é ser capaz de amar e trabalhar”. Porém, eu me pergunto se este conceito de saúde “psicológica” se aplica nos dias de hoje.
Erikson respondeu a esta pergunta partindo de uma psicanálise que começava a dar seus primeiros passos além da psicanálise cartesiana de Freud dividida entre as forças da lei e do desejo sendo que hoje vigora uma psicanálise pós-lacaniana que caminha sobre uma corda bamba tentando administrar essas forças opostas que se dissolvem junto com os conceitos de moral desta sociedade que beira a selvajaria descrita por Freud como uma das opções de futuro em “O mal estar da civilização”.
O conceito de saúde para a psiquiatria é, assim como na saúde em geral, estatístico. No entanto, não só de um conjunto de sintomas pré-estabelecidos se faz uma psicose. O diagnóstico clinico na verdade beira a arbitrariedade, sendo que até mesmo o mais exato psicodiagnóstico pouco diz sobre o tratamento exatamente adequado para uma mente perturbada. E ouso dizer que os psiquiatras ainda têm sorte, pois possuem os psicofármacos que se apresentam enquanto fuga eficaz para a discussão aqui apresentada. Mas no reino da neurose, infelizmente, o psicólogo não é tão feliz assim.
Na época desta psicanálise ortodoxa tal pensamento cartesiano facilitava pensar neste conceito de saúde. Afinal de contas os papéis da sociedade eram bem definidos, e os conceitos de moral também. Não estou dizendo que a psicanálise do início do século XX era deficiente, ou menos trabalhosa, visto que, apesar de nesta época a sociedade - e arrisco dizer a mente - ser mais definida, por sua vez não existia a gama de ferramentas teóricas disponíveis hoje ao alcance da mera curiosidade. A grande questão é que, se hoje há uma tolerância muito maior a padrões de comportamentos, devido a esta baixa força da moral existente no novo século, e portanto fica mais difícil estabelecer uma “moda”, e assim definir o que é o dito "normal".
Porém a psicanálise não é o estudo do comportamento, mas sim do inconsciente, e esta discussão sobre saúde em psicologia é tão grave, que mesmo os psicólogos que estudam o comportamento, único aspecto mensurável da mente, encontram barreiras sócio-culturais na hora de de definir o que é saudável.
Existem "curas", porém, ao contrário do que se pensa, a ciência psicológica não estuda apenas patologias.
Como diria minha professora de psicodiagnóstico de abordagem humanista “o psicólogo é o cientista da alma”. Mas, a psicologia estaria então perdida entre a prática e a filosofia? Pois se ela se perde em seu objeto de estudo, refletindo assim sobre si mesma ela se compararia mais a metafísica do que a filosofia em si. Então o que dizer da psicanálise, que como diria Garcia-Roza é uma metapsicologia?
Seria então a clínica a abstração da abstração?
Foi aí que o usuário a quem deveria atender chegou. E ao encará-lo percebi que a resposta para a saúde em psicologia era mais simples do que parecia.
A princípio não se pode pensar em qualquer ciência psicológica, e isto é extremamente óbvio, sem se pensar na mente. E como pensar em mente, ou como diria minha supracitada professora, “alma”, sem se pensar no sujeito?
Quando se desvincula o sujeito da alma, o “anima” em latim, aquilo que o anima, que o move, temos apenas matéria e éter. E nenhum dos dois têm utilidade alguma sozinhos. Fora o fato desta dissecação ser imaginária e impossível, ela desfigura ambas as dimensões do ser, pois se considerarmos a filosofia da gestalt onde se diz que “o todo é maior do que as partes”, estudar mente e sujeito material, ou seja, biológico, separadamente não produziria frutos.
Então, diante do meu paciente me surpreendi dizendo eu mesmo a reposta para esta discussão:
“Bom dia. No que posso te ajudar?”
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