O afilhado do procurador - um caso de Psicologia Social
P. chegou na instituição praticamente em surto. Quando o entrevistei pela primeira vez tentei ser cordial e ele me recebeu prontamente me contando sua história de vida triste.
Abandonado pela mãe quando bebê, P. tinha conhecido as ruas do Rio de Janeiro como ninguém,
alegava ter passado por mais de "300 abrigos", e ter nascido no Leblon (local onde relata ter sido encontrado). Seu maior sonho era conhecer a mãe, que o abandonou. Também alegava ser sobrevivente da chacina da candelária.
No entanto, ainda em surto e com a ansiedade muito alta, acabou se desentendendo com alguns usuários e prontamente usou de sua autoridade alegando ser afilhado de um procurador, e que quatro advogados estariam dispostos a atendê-lo assim que precisasse.
Quando em conflito com funcionários, P. ameaçava demiti-los,
além de exigir constantemente reuniões com os diretores de departamento, e às vezes até com o prefeito.
Ele tinha esquizofrenia, uma personalidade maníaco-depressiva e era usuário de crack. Em sua fase depressiva, falava em suicídio; em sua fase maníaca dizia que era herdeiro de sua outra madrinha, uma juiza que fora assinada, mas que havia "deixado sua carteira de juiz para que ele assumisse seu posto".
Em surto, P. passou por duas internações psiquiátricas.
Eu mesmo cheguei a atendê-lo durante tais episódios, evitando que o mesmo agredisse usuários e funcionários tendo por única ferramenta de trabalho o diálogo.
O mais importante era fazer com que P. se sentisse acolhido. Afinal de contas, seu discurso queixoso sempre girava em torno dos temas como família e aceitação, que eram um grande buraco nunca preenchido em sua vida.
Como a maioria dos meus atendidos, ele havia passado pelo sistema carcerário,
que é infelizmente o destino de muitas pessoas com transtorno mental, e estava com seus direitos civis suspensos o que impedia que ele conseguisse qualquer benefício. Por isso ainda por cima, P. não possuía renda.
Apesar de todas as suas necessidades básicas serem supridas pela instituição, P. dizia que sentia prazer em tomar um café numa padaria específica. E o meio de conseguir tais regalias era pedindo esmola na frente de um banco, sistematicamente, todos os sábados.
Aliás, outro sonho de P. era ter uma conta no banco onde pedia esmolas.
Dizia que não gostava de "mendigar", e que gostaria de ter seu próprio cartão para entrar no banco e tirar o seu dinheiro sem ter que dar satisfações a ninguém. Um direito simples que lhe era negado.
Quando estabilizado, P. elaborava melhor seus planos: queria cursar a faculdade de direito e constituir uma família. Nos quase 1 ano e 7 meses pelos quais eu o atendo, estabelecemos um forte vínculo, a ponto dele me escutar até mesmo quando estava em surto.
Uma pena que seus direitos civis ainda estejam suspensos e que, enquanto profissionais do SUAS nada possamos fazer além de esperar a boa vontade da justiça para que seu plano de atendimento siga em frente.
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