Era uma vez um Tarantino - ou uma crítica sobre Era Uma Vez em Hollywood


Essa parte não contém Spoilers (vamos avisar quando tiver):

Conhecido pelos diálogos fantásticos e pelas elaboradas referências ao cinema B em seus filmes que vão desde estilos de corte até mesmo ao roteiro das histórias, Tarantino ganhou seu primeiro Oscar em 1995 por seu filme "Pulp Fiction", título que se remete as histórias baratas que eram vendidas em revistas de onde surgiram nomes como os autores Edgar Alan Poe, Lovecraft e personagens como Tarzan, Conan e vários outros.

No entanto, ao contrário de suas inspirações, o cinema de Tarantino nuca foi entretenimento barato fazendo arte ao registrar e reproduzir todo estilo de uma época, principalmente quando pensamos em filmes de faroeste e de kung-fu dando destaque a sua maior homenagem a esses gêneros com a ação desenfreada de Kill Bill.

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Porém, em "Era Uma Vez em Hollywood" vemos o diretor louvar não só esses gêneros, mas sim o próprio cinema enquanto indústria e, por que não, a si mesmo e a audiência!

Ao sair do cinema a primeira impressão que tive era que o enredo do filme não era claro nos levando pelas ruas de Hollywood do final da década de 60 tentando nos fazer nostalgia de um tempo que a geração que acompanha o diretor nunca viveu. No entanto, vemos uma história que se repete o tempo todo ao longo do filme:

A decadência do herói.

Logo no início vemos o personagem de DiCaprio, que é um ator famoso conhecido por séries de cowboy, sendo confrontado com o eminente fim de sua carreira. Fica bem claro que o auge do "herói" dessa trama já passou há alguns anos e o mesmo estaria em processo de se aposentar ou recorrer aos filmes de faroeste italianos, que para o personagem, seriam uma "categoria menor" do gênero.

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Esse mecanismo é repetido o tempo todo, seja no livro que o autor lê nas horas vagas, nos diálogos que ele tem com seu dublê protagonizado por ninguém menos que Bradd Pitt ou até mesmo na cena final do longa que surpreende com uma auto referência que Tarantino deixa claro que vai acontecer desde o início do longa.

Tarantino tenta o tempo todo nos contar a história de um artista cujo brilho já se ofusca e que diante da eminente decadência tem que se confrontar com o fato de que sua chance de chegar ao topo talvez tenha passado.

Autorreferencia e autobiografia artística?

Será que também não podemos aplicar o mesmo mecanismo a biografia de Tarantino? Para tecer essa hipótese primeiro a gente tem que presumir que o diretor, que é conhecido por uma obra autoral e de um nicho específico, tenha querido em algum momento ganhar o afeto do grande público. E se a gente pensar assim pode até ver uma mensagem ainda maior na história.

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Isso porque, em certa altura do filme há uma redenção desta "decadência", que apesar de ir contra a lógica estabelecida naquele universo (e no nosso também) este herói recebe uma guinada no seu enredo que desperta a esperança de realizar seus sonhos. No entanto, o personagem de Pitt que parece ser uma visão mais pessimista/realista da indústria do cinema pode ter sua história vista como a concretização da decadência, principalmente depois do que acontece no clímax da história (explico na parte COM Spoilers). Qual desses dois personagens seria o Tarantino?

Parte COM Spoilers! 

Esta mecânica do herói decadente exposta por Tarantino logo no diálogo inicial. Depois vemos novamente esta mesma mecânica no livro que ele lê no set, que conta a história de um vaqueiro de excepcional habilidade, mas que após um acidente passa a ter dificuldades de locomoção. Importante destacar que durante o diálogo os personagens deixam bem claro que eles não sabem o final da história do livro. Nas cenas seguintes quando eles estão gravando uma cena do seriado é apresentado um personagem manco que é hostilizado pelo personagem do personagem de DiCaprio.

Então observem que o tempo todo Tarantino nos mostra o quão habilidoso é o personagem de Bradd Pitt, como ele demonstra isso dando uma surra em ninguém menos que Bruce Lee, depois dando um soco num rapaz que o faz sair do chão. Logo para no fim da história ele receber uma facada na perna e anunciar que talvez possa ficar manco!

Interessante ressaltar que o personagem de Pitt que é um dublê parece entender mais de cinema do que o personagem de DiCaprio que é ator. Além disso o personagem de Pitt mora diante de um magnífico cinema no estilo Drive Inn, lembrando que Tarantino alega ter obtido seu conhecimento em cinema literalmente indo ao cinema e trabalhando numa locadora.

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E o que acontece no clímax do filme? Esse dublê todo habilidoso e subvalorizado se vê diante da possibilidade de ficar manco, enquanto isso o personagem de DiCaprio que tem um único vislumbre de talento no filme se vê diante da possibilidade do sonho do grande estrelato ao iniciar uma amizade com seus vizinhos super famosos.

O que será que Tarantino quer dizer com isso?

Sobre autorreferencia é interessante a gente ver que o protagonista estreia um filme onde nazistas são mortos o que pode ser uma referência a bastardos inglórios onde o diretor NEGA a história ao matar Hitler o que ele faz novamente no fim do filme, inclusive, utilizando o mesmo lança chamas que o personagem utilizou no filme em que matava nazistas para impedir o assassinato de Sharon Tate no clímax da história.

Enfim.

Podemos concluir que este filme exige uma certa bagagem, tanto histórica quanto do nicho ao qual Tarantino se propõe, aliás, podemos dizer que os filmes do diretor em si são um nicho bem delimitado. Com autorreferências, e referências históricas que talvez os consumidores casuais do cinema não entendam o filme realmente não traz uma proposta clara, exceto o passeio pelo universo absurdamente bem construído de referências ao cinema, mas que talvez não agrade o grande público.

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