Vida e obra de Neusa Santos

Descrição da imagem: captura de tela do programa espelho onde vemos Neusa Santos uma mulher negra de cabelos curtos falando.

Esse texto foi originalmente publicado no meu perfil do Twitter e a discussão que ainda está acontecendo até hoje pode ser conferida abaixo:

Neusa Santos Souza talvez tenha sido uma das maiores psicanalistas que o Brasil teve, mas quase não foi ouvida. Conhecida pelo livro “Tornar-se Negro”, sua vida e sua morte denunciaram de forma acadêmica os males o racismo sistêmico. Formou-se em medicina e tornou-se psiquiatra e psicanalista, uma carreira dominada por homens brancos que talvez nunca tenham aceitado uma mulher de queixo erguido que falava de racismo.

É possível que ela tenha enfrentado diversos episódios de racismo durante sua formação. 

Há relato de uma amiga de Neusa de que na faculdade elas eram lembradas o tempo todo que “não tinham pinta de médicas”, e que foi obrigada a alisar seu cabelo para a formatura. Vindo pro Rio em busca de oportunidades, Neusa se destacou ao fazer mestrado antes da especialização em psiquiatria, o que era algo muito difícil na época.

A dissertação de mestrado de Neusa se transformaria na obra Tornar-se Negro, que hoje é tida como um dos marcos da psicologia preta no Brasil. Mas na época ela foi ignorada pela comunidade psicanalista. Na tradição da psicanálise é comum o profissional se filiar a alguma escola ou associação. Neuza nunca passou muito tempo em nenhuma, vindo na década de 90 a dedicar-se a seminários no Hospital Casa Verde onde trabalhava principalmente com pacientes graves.

Nos últimos 10 anos de sua vida Neuza se afastou da militância e passou a recusar convites para falar de psicologia preta. No entanto publicou textos e colaborou com artigos sobre a psicose e a psicanálise lacaniana.

Em Tornar-se Negro, Neusa descreve o processo de racismo como causador de uma ferida narcísica no sujeito. 

Ela explica que o racismo estrutural afeta a autoestima do negro e impede que o mesmo desenvolva sua identidade sem ter por referência o ideal branco que cria uma visão distorcida de si mesmo. Autores dizem que Neuza foi vítima de um epistemicídio, pois exceto pelo livro Tornar-se Negro, sua obra está fora de publicação. Ela escreveu pelo menos mais dois livros e colaborou para vários artigos. Atualmente Neusa não possui nem mesmo uma página na Wikipédia.

[ATUALIZAÇÃO DE 08/06/2021] Esse texto felizmente mobilizou a comunidade da Wikipédia fazendo com que um erro histórico fosse corrigido sendo então criado o verbete para Neusa Santos no site que você pode conferir aqui.

Em sua última entrevista dada para o programa Espelho apresentado por Lázaro Ramos, Neuza diz que não publicaria sua obra e narra ainda que a psicanálise seria ineficaz ao descrever o racismo sofrido dizendo que a clínica dá ênfase na subjetividade de cada paciente.



Alguns interpretam essa última fala de Neuza como contraditória. Porém, talvez nunca saibamos que tipo de impacto o livro teve na difícil carreira de uma mulher negra psiquiatra exercendo a psicanálise. Talvez tenhamos reduzido um gênio a seu sofrimento.

Neuza pode ter sido uma das maiores psicanalistas do Brasil, e mesmo tendo se afastado da militância, ao se dedicar a casos de psicose a mesma pode ter contribuído muito para o povo negro, que é uma porcentagem significativa de casos de transtornos mentais no Brasil.

Neusa partiu em 2008, longe de sua terra natal e deixando para trás a coleção de arte, que cita na sua última entrevista num caso de racismo que sofreu. Sua carreira nos faz pensar em como a intelectualidade negra é recebida pela sociedade brasileira.

Neusa nos faz lembrar que reduzir toda produção cultural de grupos de minoria ao seu sofrimento pode reforçar estigmas. Como diz o Emicida permita que eu fale, não às minhas cicatrizes”.

BIBLIOGRAFIA:

Comentários

Veja também:

Artigos populares