Crônica da Psicologia Gourmet Artesanal

Eu lembro bem de quando essa onda começou. A coisa que mais me marcou foi a tal da “palheta mexicana”, pois lembro que tive um paciente que queria abrir um quiosque disso. Ali por meados do início da década de 10 a gente começou a ter um abalo no significado das palavras.

Isso porque o capitalismo tardio inventou essa nova regra de que a gente precisa inovar para vender, pois precisamos sempre gerar o tal do “crescimento”. Crescimento de que, crescimento pra onde? Eu não sei. Mas o gráfico tem que estar sempre subindo para que o dinheiro de mentira ganhe ainda mais valor, e fique mais rico quem já é bilionário.

O que isso tem a ver com psicologia, assim como o sorvete deixou de ser sorvete e virou “palheta”, “gelato” e outros nomes, a psicologia parecia que seria vítima do mesmo processo quando surgiu o movimento coaching. É preciso observar bem aqui que eu não tô colocando mentoria, que é uma coisa que já existe até antes da psicologia, ou treinamento, no mesmo status do coaching. Eu to falando da gourmetização do termo.

A gourmetização é, de fato, esse processo onde o sorvete vira palheta mexicana para que o lucro que vem da novidade continue fazendo o gráfico do bilionário subir. Pois a realidade não basta mais, precisamos lucrar sobre aquilo que é da ordem do imaginário que, ao menos na minha época, era gratuito. Tá, não estamos dizendo aqui que o imaginário não tenha seu peso, mas tenho certeza que você entendeu.

E por que achamos que a psicologia seria essa musa tão bela que seria intocada pela goumetização? Demorou, mas chegou. Vimos o coaching mal intencionado (existe bem intencionado? É uma dúvida real) sequer arranhar as bases da psicologia, mas agora com de cientificismo positivista, talvez, isso possa acontecer.Antes de prosseguir eu preciso declarar aqui que eu, Tiago da Silva Cabral, sou um entusiasta irredutível da ciência. Mas no mundo da gourmetização o sorvete vira palheta, vira “Gellato”. Então de que ciência estamos falando?

Estamos falando de uma forma de pensar que considera todas as possibilidades, considera princípios epistemológicos éticos e se rende a novas evidências e novas estruturas que se mostram confiáveis? Ou estamos falando de uma ciência baseada numa autoridade imposta, positivista, rancorosa e colonialista? Estamos falando de sorvete ou estamos falando de palheta?

Olha só, eu não estou pregando aqui que tal da palheta não exista. Sabia que você pode pegar o prato mais tradicional do mundo, vamos dizer assim, o Lámen instantâneo (Miojo é marca), quando você adiciona qualquer coisa fora da receita original, você acabou de criar um novo prato? Sabia disso? Mudamos o significado de uma palavra, ou até quem sabe, criamos outra! Eu posso criar o Lamén Instantâneo do Cabral e patenteá-lo. Isso não significa que a Nissin não é mais uma empresa de alimentos gigante que produz um lámen instantâneo conhecido como “Miojo”.

Aí está o ponto sensível da questão.

Quando novas práticas tentam invalidar a psicologia, ou qualquer outra ciência, em detrimento de técnicas novas ainda não solidificadas talvez, e eu reforço, apenas talvez, estejamos criando uma palheta mexicana, estejamos criando um Gelato. Algo que pode vir sim a mudar o significado da palavra sorvete num futuro distante, mas que talvez ainda tenha que comer muito “feijão com arroz” antes de fazer isso.

Então eu venho aqui enquanto psicólogo manifestar que acredito em técnicas de psicologia novas, mas que ainda acredito - sim é essa a palavra: acreditar - em práticas mais “artesanais” como a psicanálise. Por isso eu te digo que a minha psicologia é gourmetizada, mas é também artesanal. Uma Psicologia Gourmet Artesanal.

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