O nada

Esses dias um adolescente veio me perguntar sobre o que é o nada.

A psicologia leva a gente pra um lugar de suposto saber e eu tenho muito orgulho de pensar ela através da psicanálise que permite a gente entender melhor os contextos e flexionar visões de realidade, coisa que as ciências duras têm alguma dificuldade de fazer.

Então, ao invés de responder, questionei o que ele achava e de onde tinha saído essa pergunta, devolvendo pra ele que esse é um dilema filosófico e matemático. Então, de uma forma até muito coerente, ele diz que "se tudo que existe, existe, então o nada não existe?".

O rapaz tava me falando de metafísica e agora sim isso tinha ficado claro.

Me lembrei de minhas próprias indagações filosóficas nas aulas do ensino médio e o assunto sobre "o nada" surgiu justamente porque ele lamentava que, com as reformas do ensino médio, deixaria de ter aulas como história e filosofia. Então, dentro desse papo ele me lançou essa bomba metafísica.

Ele não sabia o que era metafísica, então expliquei que se tratava de uma área da filosofia que estudava "o lado de fora do universo", ou seus princípios básicos, imateriais. Que a metafísica tinha esse nome porque eram escritos de Aristótoles que precediam a obra que ele chamava de "A Física" e, como muitos textos desse filósofo são incompletos ou não tinham sido catalogados na época, chamaram esse conjunto de textos que versa sobre a existência de "meta física", sendo o prefixo "meta" uma palavra em grego que significa "antes", ou algo como "aquilo que precede".

A metafísica então é a arte de pensar sobre aquilo que precede a física, que precede a realidade tangível, à matéria. Pensar, por exemplo, se existe um criador do universo seria metafísica. Usei esse exemplo de forma capciosa, porque nos últimos séculos a filosofia tem se tornado cada vez mais material, principalmente quando a gente pensa em filósofos alemães como Kant, por exemplo. Esses caras fizeram a metafísica virar um palavrão, pois os filósofos que eram de formação religiosa aproximaram a metafísica de suas religiões, como é o exemplo de santo Agostinho que colo deus cadeus esse "processo" que precede a física, que a governa e que está do lado "de fora" do universo.

Por isso, quando a ciência se tornou mais tecnicista e prestando muita atenção apenas aquilo que pode ser observado empiricamente, dizer que uma teoria, pensamento ou texto era sobre metafísica se tornou uma espécie de ofensa ideológica.

No entanto, muitos problemas metafísicos ainda ocupam o imaginário, principalmente quando a gente escreve sobre processos muito importantes para pensar ciência, como a epistemologia, por exemplo, que é a área da filosofia que estuda a estrutura de pensamento que torna algo científico, ou seja, a estrutura de pensamento que valida as perguntas que a ciência faz. E muitas das vezes, os problemas da estrutura do pensamento científico, são, querendo ou não, metafísicos.

Mas voltemos ao nada. Matematicamente falando, o nada é um paradoxo matemático. Com a invenção do zero, pudemos representá-lo fazer contas com ele, mas nem sempre essas contas dão certo como quando, por exemplo, a gente decide dividir as coisas por zero. Einstein, em suas anedotas uma vez teria dito incluive que um buraco negro é um lugar no universo onde deus dividiu por zero.

Mas aí o meu amigo adolescente me lembrou que uma vez eu tinha lhe dito que a matemática é uma linguagem, que ela só existe no campo simbólico. Então fomos para um campo mais interessante e fácil de ilustrar.

Vários textos sobre a teoria do Big Bang falam que antes dele havia nada (alerta de que há controvérsias sobre isso), e que seria correto afirmar que nada existe fora do universo. Mas aí temos outro problema, o da imaginação. A imaginação existe? Pois se estamos falando sobre linguagens e outros simbolismos essas coisas estão presentes em algum lugar. O nada existe então enquanto imagem na nossa mente?

Lembrei então de Sartre, filósofo francês, porque ele tem um livro que se chama o Ser e o Nada, sendo o nada o antagonista do ser. Ele vai elaborar isso melhor no livro, mas não era esse o texto que interessava para esta conversa, mas sim "A Imaginação", onde o pensador especula justamente sobre as imagens que se formam em nossa mente.

Resumindo algo bem complexo, para Sartre a imaginação é um processo do sujeito em relação com a realidade e ela surge de forma espontânea. Ou seja, o sujeito cria a imaginação ao seu bel prazer. Mas ela não seria um objeto na realidade e sim o resultado de um processo. Há controvérsias em relação a isso, tá? A minha querida psicanálise Lacaniana questiona sobre essa "inventividade" do sujeito, aterrisando a imaginação no outro e na realidade.

Então, o nada não existe, pelo menos dentro do universo.

Mas eu fiz questão de não encerrar aí. Disse pro meu jovem interlocutor que esse tipo de discussão metafísica geralmente não tem fim e que esse assunto já foi discutido por milhares de anos e talvez continue sendo.

Ou seja, o melhor jeito de resolver esse dilema era estudar.



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