A marca da falta


O mal-estar de ser escritor independente é lidar constantemente com a sensação de que algo está faltando no texto – ou no processo como um todo.

Como sou eu quem edita, diagramo, faço capa e publico meus próprios livros, é humanamente impossível alcançar o mesmo refinamento de uma grande editora. Mesmo assim, já encontrei erros em livros de grandes editoras, o que me faz pensar: a falha é inevitável, quase como um traço que define a criação, enquanto a perfeição, por sua vez, é um ideal inalcançável – uma ausência que move o desejo.

Essa reflexão pode parecer abstrata, mas tem tudo a ver com a psicanálise. Para Lacan, é justamente o que escapa à linguagem – o real – que retorna como angústia. A angústia não vem da falta de palavras, mas do confronto com algo que não pode ser dito ou simbolizado. E, ainda assim, é a linguagem, com todas as suas limitações, que nos constitui enquanto sujeitos. Somos atravessados pelo simbólico, mas o real está sempre ali, insistindo.

Meu novo livro, A Palavra-Humana (clique aqui para ler de graça), é uma tentativa de lidar com essa tensão. Ele foi lançado com uma "não capa," o que significa que, desde sua publicação, carrega a marca da falta: a ausência de uma capa ideal. Passei meses adiando o lançamento por não encontrar a capa perfeita, mas cheguei à conclusão de que ela nunca existirá. Então, por que não aceitar que a falta faz parte do processo?

É claro, algum dia o livro terá uma capa. Mas ela nunca será "a" capa, apenas uma inscrição possível entre tantas outras. Esse traço da falta atravessa não só a capa, mas a própria literatura independente. Falta qualidade ideal, falta a revisão perfeita, falta o cuidado técnico de uma grande editora. No entanto, é exatamente essa falta que faz da escrita independente algo tão autoral. Se a falta é o que estrutura o desejo, como propõe Lacan, então a literatura independente talvez seja a mais fiel expressão do desejo de escrever.

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