Resenha: Senna (2024)
Indo pela mesma linha da resenha que fiz de "Sutura", série do Amazon Prime Video, fico feliz que tenhamos boas produções brasileiras novamente. Vou insistir na mesma tese de que isso talvez seja um incentivo vindo de governos aliados da cultura. Tendo isso em vista, precisamos também considerar que estamos aqui contando uma história mitológica, no bom sentido da palavra, é claro; mas ainda por cima falando de um recorte muito específico da nossa população: gente rica e branca.
Mas calma!
Eu também sou capaz de apreciar coisas boas, mesmo que tenhamos que ofertar críticas sociais e ideológicas enquanto assistimos. Críticas que, no caso dessa série, são apenas detalhes que não estragam a experiência.
É necessário que a gente não deixe de considerar que Ayrton Senna se tornou quase um santo no Brasil: São Senna, padroeiro do automobilismo. Afinal, a biografia do cara tem tudo que uma boa história enlatada precisa: um talento que é quase um superpoder, acesso a lugares restritos da alta classe, intrigas, conspirações, romances e tensões. Além disso, vemos o caráter heroico e quase incorruptível de um santo que, aliás, só pode ser santo porque, como prega a Igreja Católica, já morreu e não pode mais fazer nem falar besteira.
Essa série, porém, existe não apenas por conta do mito do Senna que estava nos corações de todos aqueles que acompanharam sua carreira meteórica no final dos anos 80 e início dos 90, mas também por uma repaginada nesse mito, advinda do documentário de mesmo nome, que ficou no próprio Netflix por um bom tempo, mas que hoje se encontra fora do catálogo. Falo do caráter quase messiânico do personagem histórico que, pra mim, foi criado ali, principalmente quando se narram as corridas de 89, em Mônaco, e de 91, quando ele ganha pela primeira vez no Brasil, onde os discursos do piloto começam a tomar um corpo mais religioso e "patriota" – no melhor sentido que essa palavra pode ter.
E a série adiciona ainda mais tempero a esse mito, pois atiça esse patriotismo (que foi sequestrado por espectros políticos atualmente) ao observá-lo de um ângulo bem interessante: o preconceito contra latinos na Europa. Lembrando que, sim, pessoas brancas que vivem aqui nas Américas não são europeias e podem experimentar discriminação por lá. Fato esse que muita gente que se muda pra lá descobre da pior forma possível.
A série até tenta forçar a presença de mulheres e pessoas negras em algumas cenas, indo na contramão de tudo que se produz sobre automobilismo hoje em dia, e isso é bom. A série não é um poço de testosterona como filmes como Ford vs. Ferrari, Lamborghini e outros. Pelo contrário, ela assenta o personagem em sua humanidade, em sua humildade (que era real no personagem histórico que me lembro). Ao mesmo tempo, mostra camadas mais ricas do mito do Senna, como essa suposta obsessão que o fez perder um casamento e até mesmo o namoro com a Xuxa. Uma obsessão que quase o afastou da família também.
Estão deixando a gente gostar do Senna de novo.
É interessante a gente poder apreciar essa história, que é um recorte específico de uma época. Apesar de ser um "pobre menino rico", Senna foi um personagem importante da cultura pop nos anos 90, assim como jogadores de futebol e outros que são fruto de um momento em que o Brasil era só promessa e esperança.
No entanto, isso também é um lembrete do quanto, em 2024, olhar para o passado é mais agradável do que olhar para o futuro. Toda essa exposição à nostalgia pode nos encaminhar para uma mitificação do passado que, nem sempre, é uma coisa boa.
Mas, questionamentos filosóficos à parte, é uma boa série que empolga e emociona. Pâmela Tomé, a atriz que fez a Xuxa está perfeita, e a personagem histórica está muito bem representada, sendo uma mulher forte e dona da própria carreira, mostrando o tempo todo que era tão importante (senão mais) que Senna no imaginário popular. O Galvão Bueno não me convenceu muito, mas outros personagens como Niki Lauda, o Prost e outros também estão muito bem caracterizados e com atuações muito boas.
Enfim, Senna vale muito a pena, não só pela nostalgia, mas também pela qualidade da produção, que está excelente. Assim como falei na resenha de Sutura, dá orgulho de ver produções brasileiras nos dando entretenimento de qualidade!
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