Crítica: Caça Fantasmas Apocalipse de Gelo - Fanservice bem feito.
Se você foi criança na década de 80 e 90, muito provavelmente você foi atingido por esta franquia icônica, seja através dos filmes que cansaram de ser repetidos na Sessão da Tarde, ou pelos desenhos da década de 80 e 90, ou até mesmo pelas referências mais modernas, como na série do Netflix Stranger Things. Caça-Frantasmas é um ícone da cultura pop dessa época e até hoje causa um quentinho no coração das pessoas sensíveis a nostalgia.
A história original gira em torno de alguns professores universitários que também eram pesquisadores e que começaram a investigar o paranormal. Após um encontro com um fantasma na Biblioteca Pública de Nova York, eles descobrem uma forma de capturar fantasmas e outras criaturas "ectoplasmáticas" (um termo bem conhecido na parapsicologia que seria a matéria da qual os fantasmas são feitos). Então, após serem demitidos por terem sua sanidade questionada, decidem criar uma empresa de "extermínio" de assombrações, como se fosse algum tipo de serviço de dedetização sobrenatural e se tornam os Caça-Fantasmas.
Como escritor e geek, o que sempre me chamou a atenção nesse universo foi a criatividade de misturar histórias de terror dos anos 80/90 com ficção científica. Afinal, os Caça-Fantasmas utilizam ciência para combater o sobrenatural criando um delicioso paradoxo que nem é tão paradoxal assim. Tanto a ciência moderna quanto o ocultismo nasceram na mesma época que foi o final do século XIX e muitos cientistas eram também ocultistas. É claro que, com o avanço da ciência, o ocultismo e a ciência como conhecemos hoje se divorciaram com tanta força que atualmente nem dá pra levar a sério alguns campos de estudos como a parapsicologia que, aliás, é a profissão de três dos protagonistas.
No entanto, apesar do sucesso arrebatador do filme original de '84, Caça-Fantasmas 2 ('89) foi bem nas bilheterias, mas não tão bem assim o que fez uma nova continuação ser discutida a sério apenas em 2014, quando outras franquias da década de 80 como Star Trek e Star Wars também estavam voltando ao imaginário dos consumidores cultura pop.
Houve um reboot da franquia em 2016 contando com um elenco feminino muito marcante do programa de esquetes de auditório Saturday Night Live, mas que foi praticamente ignorado pelo grande público e teve críticas não tão favoráveis. Em 2021 houve uma nova tentativa sendo a história uma continuação direta do filme original sendo produzida, inclusive, por Jason Reitman, filho de Ivan Reitman, que interpreta o personagem Egon nos filmes originais e que também dirigiu esses filmes. Mas, sinceramente, eu acho esse filme de 2021 um tanto 'sem sal', pois ele tenta mergulhar demais (e sem sucesso) no clima de Stranger Things, lembrando que a obra inclusive conta com um ator da série. Além disso, os personagens são desinteressantes e a trama não tem as dimensões que a narrativa merece.
No entanto, podemos entender que esse filme de 2021 é uma obra introdutória e hoje serve mais como um spin off do novo filme, Apocalipse de Gelo, do que um filme que valha realmente a pena assistir. Afinal, precisamos falar deste último.
Apocalipse de Gelo é, sem sombra de dúvidas, a continuação que a franquia precisava. Primeiramente a obra é uma continuação-reboot. Precisamos entender do que se trata esse fenômeno do cinema contemporâneo antes de seguir com nossa análise.
Tendo em vista que muitos reboots, que é quando a história é completamente reconstruída do zero, não têm sido bem-suscedidos (a exemplo do próprio reboot de 2016 desta franquia). Então temos esse novo jeito de recontar essas histórias, onde a narrativa é uma continuação, mas que mantém a mesma estrutura do primeiro filme, trocando apenas os protagonistas e transformando os personagens clássicos em totens na figura de "velhos sábios" (no arquétipo de Campbell) ou apenas cameos feitos para agradar os fãs da obra antiga. Um exemplo de continuação desse tipo é o primeiro filme da última triologia de Star Wars, Despertar da Força, que é tão explícito em repetir a fórmula do primeiro filme da franquia (Uma Nova Esperança) que conta até com uma nova estrela da morte.
Quando bem feita, a continuação-reboot pode ser uma ótima estratégia, pois apresenta aquela universo para uma nova audiência, criando novos fãs, além de homenagear os fãs antigos com aquele sentimento de nostalgia que aquece os corações. E o Apocalipse de Gelo acerta muito nesse ponto por vários motivos:
1. Ele finalmente embarca na onda de nostalgia dos anos 80 que Stranger Things criou.
Stranger Things pode não ter criado essa onda, mas consegue ser bem sucedido por emular o clima dos filmes dos anos 80 ao embarcar na combinação estética + referência, que tornou a série o sucesso avassalador ao trazer uma combinação das histórias dos filmes de terror dos anos 80, com os filmes de aventura que a gente tanto via na sessão da tarde.
2. Acerto no tempero comédia + aventura.
Penso que o reboot de 2016 pecou em focar demais no aspecto da comédia, enquanto que o de 2021 focou demais na aventura. Apocalipse de Gelo parece ter acertado a mão ao equilibrar as duas coisas.
3. Expansão do universo.
Finalmente conseguiram expandir o universo da franquia que é o que eu tanto queria ver. A série animada Extreme Ghostbusters fez isso de uma forma bem interessante na década de 90, mas ela não fez tanto sucesso assim a ponto de se tornar cânon nas telonas.
Outro ponto em que apocalipse de gelo também se deu muito bem foi em focar no público infanto-juvenil. Fica bem claro que aqueles mini-monstros de marshmellow estão ali para capturar a atenção das crianças, bem como o romance(?) adolescente que acontece a certa altura tem alvo específico. Os problemas conjugais do casal que emcabeça a "família" de caça-fantasmas também têm seu propósito bem como as participações especiais (que são até bem longas) dos protagonistas antigos, que, claro estão ali para somar com a estética do filme para compor o tempero nostalgico da coisa.
Mas precisamos também destacar os pontos fracos:
Caça-Fantasmas de 82 tinha em sua comédia um ar de ironia. Sim, havia aquela comédia pastelão das cenas envolvendo gosma de todos os tipos, víceras e monstrusidades cadavéricas, mas boa parte do que fazia rir residia no reconhecimento dos personagens e da própria história do absurdo daquele universo.
Além disso, eu não consegui me importar nada com nenhum daqueles personagens. Não há um senso de ameaça real em nenhum momento da narrativa, mas eu acho que isso já pode ser um defeito inerente do gênero aventura, onde parece que todo mundo é, de alguma forma, sobre-humano de alguma modo e que todos os problemas sempre serão resolvidos no final sem que ninguém morra ou saia gravemente ferido.
Outra coisa que incomodou é que o filme é completamente pasteurizado políticamente. Ninguém nunca se incomodou com o fato do único personagem negro da história também ser único que não é cientista e da única mulher ser a "secretaria", mas é um filme da década de 80 com o Bill Murray, e se formos fazer essa crítica ao filme original estamos sendo anacrônicos. Mas, nesta continuação, esse fato poderia ter rendido pelo menos uma piadinha, o que não acontece.
Não vou dizer que isso estraga o filme, mas essas críticas poderiam estar no hall de autocríticas que o filme faz aquele universo, críticas que os outros filmes já faziam, como o fato da própria existência dos Caça-Fantasmas ser uma ameaça pra cidade de Nova York devido ao potencial danoso de sua tecnologia, e também se faz uma crítica a forma também como os governos lidam de forma idiota com situações de calamidade e outras. Então sim, dava pra brincar com isso de uma forma inteligente, mas preferiram deixar pra lá.
Enfim, Caça-Fantasmas Apocalipse de Gelo é uma ótima pedida se você quer entretenimento de qualidade, daqueles que deixam o cérebro lisinho que nem um peito de frango (como diz o meme), e ainda por cima têm aquele sabor de infância e nostalgia, mas com um fanservice bem feito.
Comentários
Postar um comentário
Antes de comentar lembre-se que este site é público e qualquer um vai ver o que você escrever. Portanto seja educado e não revele questões pessoais que possam te comprometer!