Manual do Manejo da Afasia Literária
Imaginemos que a falta de inspiração é um transtorno literário, quais seriam seus sintomas?
Existe uma condição neurológica conhecida como afasia que consiste na incapacidade de comunicação, seja verbal ou escrita. Não estou dizendo que a falta de inspiração literária se trata de uma condição neurológica, mas, de alguma forma, parece que toda pessoa que escreve em algum momento experimenta uma continência verbal, uma incapacidade de produzir textos literários.
Portanto, para fins práticos, nomearemos essa incapacidade de escrever de Afasia Literária.
É óbvio que, por se tratar da escrita de um blog, estamos aqui falando de experiências pessoais. Portanto, tudo que expresso aqui tange apenas a minha prática literária cabendo a Pessoa-Que-Lê julgar se isso serve ou não para a própria vida ou para a vida de terceiros.
Mas como tratar essa “condição severa” que aflige milhares de romancistas, poetas, cronistas e outros tipos de pessoas escritoras pelo mundo?
1. Do diagnóstico.
A primeira pergunta do diagnóstico da Afasia Literária é o autoquestionamento da pessoa que escreve se ela realmente quer escrever. A produção da arte precisa ser espontânea, vir do espírito, de uma necessidade, uma fome de criar ou de tirar um grito de dentro de si que só a literatura pode apaziguar.
“Mas e quem escreve profissionalmente”, você pode me perguntar.
Quem escreve profissionalmente trabalha com arte. É possível produzir arte de forma industrial? Essa é a primeira pergunta que precisamos fazer. É sim, na minha opinião, possível produzir textos de forma industrial, mas eles seriam arte? Um manual técnico é arte literária? O que é arte, afinal?
Se a arte em sua essência semântica nos remete a técnica, é possível produzir arte sem espírito? Sem sentimento? A mera comunicação funcional, como no caso do manual, seria arte?
Na opinião desse que vos escreve, a arte tem que ter por objetivo transportar algum sentimento através do tempo e do espaço. Sejam sentimentos subjetivos ou coletivos, a intenção do artista é sempre comunicar algo que se sente, uma posição humana em relação ao universo, a sociedade e por aí vai.
Todo texto pode ser arte a partir do ponto em que você quer comunicar um sentimento, fazer com que a pessoa que está lendo se identifique com a sua posição existencial.
Agora sim, temos uma base para delinear a resposta para a pergunta “eu realmente quero escrever?”, pois se você está ali diante de um prazo, de uma cobrança talvez você não queira, de fato, escrever. E talvez esteja no mero diagnóstico a resposta para a sua pergunta: você não está sem inspiração, mas sim com preguiça.
Isso porque, a Afasia Literária só é caracterizada quando a pessoa que escreve de fato quer escrever, mas não consegue. Ela quer produzir arte, mas algo a impede, algo amarra suas mãos impedindo que teçam palavras.
Caso contrário, se aquilo que você produz serve não a sua vontade, mas a vontade de outras pessoas, ao Capitalismo, algum Deus ou sabe-se lá o quê, você não está com Afasia Literária, apenas com preguiça de ser mais uma engrenagem do sistema, pois toda arte é, de alguma forma, subversiva.
Nesta hipótese, ou seja, quando é identificada uma obrigação de escrever que vai em direção contrária a sua vontade, minha recomendação é resistir à opressão e não escrever - se for possível, é claro. Caso seja uma necessidade, uma situação de sobrevivência, recorra às técnicas pasteurizadas de sempre, mas saiba que se corre o risco de não estar fazendo arte.
De posse do diagnóstico, vamos aos
2. Métodos Terapêuticos.
Você quer fazer arte literária, mas seu inconsciente não te obedece. Está posto o dilema onde há a vontade de escrever, mas nada sai, ou que o sai não te agrada? Temos aqui um método revolucionário que vai solucionar todos os teus problemas: não escreva.
Talvez seja recomendado que volte ao diagnóstico e entenda se você realmente deseja escrever. Talvez tenha se equivocado e o desejo não existisse, ou talvez não fosse forte o suficiente.
Agora, se você não está escrevendo é porque, de alguma forma, não quer de verdade e corre o risco de não fazer boa arte se insistir.
Mas algumas coisas podem fazer despertar sua vontade genuína: consumir boa arte, principalmente bons livros; música e cinema também costumam acender o espírito da pessoa que escreve. Só é preciso prestar atenção na dosimetria da busca por inspiração, que também pode ser considerada uma forma de pesquisa.
Se a pesquisa para despertar a criatividade se tornar empecilho para a escrita, isso é um alerta de que a própria busca por inspiração talvez seja uma forma de resistência. Para diagnosticar esse tipo de resistência é importante que a pessoa que escreve tenha se sentado na cadeira, diante de sua ferramenta de escrita, e não tenha obtido nenhum resultado. Caso contrário, a busca pela inspiração se tornou uma forma de resistência e não é um método terapêutico indicado para tratar a Afasia Literária.
Notem que a busca por inspiração pode sim demorar dias, meses e até anos, mas é necessário que a pessoa que escreve tente com uma certa frequência dar início ao seu trabalho literário para que a própria busca por inspiração (ou chame de pesquisa se quiser) não seja ela própria ferramenta de resistência ao trabalho artístico.
Para mais soluções milagrosas, continue acompanhando este blog.
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