Crônica: arte analógica vs arte digital e feita por IA
Em minhas crônicas (ou postagens desse blog) eu venho falando bastante sobre Inteligência Artificial Generativa e suas complexidades, principalmente no que tange os impactos sociais dessa tecnologia, como direitos autorais, como no caso da trend do Studio Ghibli e muito mais. Já chegamos aqui a discutir até mesmo se trabalhos feitos com IA podem ser considerados artes ou não (leia aqui).
Mas, como artista, me peguei pensando hoje sobre uma hierarquia moral entre artes (se considerarmos assim) feitas por IA e as artes analógicas.
Primeiramente, a gente pode pensar em três tipos de arte. A Arte Analógica, feito sem nenhum tipo de tecnologia, a Arte Digital, feita com o apoio de ferramentas digitais como, por exemplo, editores de imagens como o Photoshop e afins, e a Arte Produzida Através de IA.
A arte analógica é fácil de explicar, é aquela onde o artista sozinho, sem nenhuma ferramenta tecnológica, faz uma pintura, um texto ou coisa do tipo. Eu por exemplo, tenho tentado recentemente me tornar um escritor analógico pois, exceto na minha infância quando não tinha acesso a esses recursos, eu sempre usei editores de textos como Word e outros para produzir meus escritos. Hoje ando brincando com canetas tinteiro e máquinas de escrever, mas porque ando pensando também no texto escrito como uma peça de arte plástica, mas vou falar disso em outro momento no futuro.
A arte digital é aquela onde o artista usa uma ferramenta digital para criar sua obra, como eu já citei, editores de textos e de imagem através de computadores, tablets, celulares e afins.
A arte feita através de uma IA é aquela em que o artista (se é que podemos chamar assim) produz uma imagem, texto ou vídeo através de prompts, ou seja, comandos fornecidos a uma ferramenta de IA através de texto ou voz.
Mas, pra começo de conversa eu já apresento um dilema a você: qual a real diferença entre a arte arte digital e a arte feita através de Inteligência Artificial?
No artigo que escrevi antes (este aqui), eu falo que, para considerar o produto de uma IA como arte, quem a produz teria que ter total controle sobre o que é gerado, coisa que ainda não acontece, ao menos nas ferramentas de IA as quais tenho acesso. Portanto, em matéria de imagem, o que a IA produz é, de uma forma grosseiramente simplificada, uma grande montagem feita com traços e texturas das milhões de imagens com as quais ela foi treinada.
No entanto, quando você tenta gerar textos com ela, hoje em dia, já é possível que mesmo a mais básica IA permita que você altere palavra por palavra, permitindo que você se transforme num regente de orquestra, ou num diretor de um filme, fazendo com que o texto fique exatamente do jeito que você quiser, mas ainda haverão pedaços de outros textos que foram usados para a IA ser treinada e, claro, isso pode passar despercebido mesmo ao mais habilidoso escritor então acabamos caindo na discussão da originalidade dos produtos da IA. Isso, é claro, sem falar dos possíveis erros e tudo mais.
Trago tudo isso porque, se pararmos bem para pensar, mesmo que em grau proporcionalmente menor, o artista que faz arte digital também abre mão de parte do controle de sua obra quando faz arte digital. Digo isso porque quem produz arte plástica sabe o quanto o toque do pincel, a sensação dele tocando na tela, ou a textura da tinta, o quanto tudo isso interfere no processo de criação e que, apesar dos avanços da tecnologia digital, ainda é, neste momento, impossível simular isso com precisão.
Na arte analógica cada traço deixa, literalmente, um traço do artista e de sua época marcado ali. Me recordo que até bem pouco tempo, algumas cores de tinta eram mais caras e só a presença delas numa tela já era um sinal de status do pintor. O mesmo vale para ferramentas como máquinas de escrever, certos tipos de caneta e papel para escritores. Tudo deixa uma marca não só de um artista como de seu tempo. Então, o artista que produz arte digital abre mão desses traços, de certo modo. Afinal, a arte analógica deixa marcas reais, cria objetos reais.
Mas nem toda arte precisa ser um registro histórico, porque precisamos pensar ainda no trabalho da arte, naquele tipo de arte que vai se transformar num produto e que, muitas vezes, precisa ser feita em série, usando padrões preestabelecidos como numa linha de produção. Portanto, será que a IA é uma ferramenta que vai ocupar o lugar histórico da produção de arte, ou talvez ocupe apenas esse lugar de produto cultural? Esse produto plástico que é, as vezes, praticamente descartável. Uma ilustração, por exemplo, de um produto de uma empresa pequena, algo que está ali apenas para florear um anúncio barato. Claro, tudo pode ser arte se a gente tiver a intenção certa, mas será que tudo precisa ser arte?
É claro. O artista que usa ferramentas de Inteligência Artificial para produzir completamente o seu trabalho abre muito mais mão do controle do que um artista que se usa de um pincel digital para desenhar. Mas os dois estão abrindo mão de algo em favor de uma agilidade na criação. Mas muitas ferramentas de edição de imagem já contam com suportes de IA generativa que ajudam a completar partes do trabalho. Portanto, podemos ter imagens que, alegadamente, teriam sido feitas por artistas de forma original, mas que têm muitas partes feitas por IA, ou auxiliadas por ela de alguma forma.
Por isso, insisto. A discussão não é simples. Mas, na minha modesta opinião, quando se trata de registro do tempo, de marcas históricas, de transmissão de sensações, de sentimentos, talvez, neste momento, a arte analógica seja melhor sucedida. Principalmente se a intenção do artista for registrar o tempo. Agora, se a gente tá pensando em produto cultural, em arte como algo que "enfeita" uma propaganda, ou como mero produto em série, talvez a IA seja mesmo um caminho sem volta, isso é, ignorando as importantes discussões sobre direitos autorais e direitos dos artistas.
Mas quer saber? Eu sigo pregando que a discussão sobre direitos dos artistas não é uma discussão sobre arte, é uma discussão sobre a falência moral das instituições capitalistas.
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